Classe diz ter dificuldades para denunciar crimes contra a opção sexual e identidade de gênero | Foto: Divulgação.

LGBT+ encontra dificuldades para denunciar crimes de homofobia no AM

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Apesar da criminalização da LGBTfobia pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a classe se diz desrespeitada e desprotegida pelas autoridades

Manaus – Mesmo com a criminalização da LGBTfobia pelo Supremo Tribunal Federal (STF), deferida no dia 13 de junho deste ano, que determinou que o crime de Racismo (Lei 7.716/1989), seja enquadrado nos casos de agressões contra o público LGBT+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis) até que o Congresso Nacional edite lei específica. Quem passa por situações de crimes contra a opção sexual e identidade de gênero passa por dificuldades para denunciar os crimes à polícia amazonense.
Em Manaus, esse público passou a ter uma delegacia específica para registros de crimes desta natureza. A Delegacia Especializada em Ordem e Política Social (Deops), da Polícia Civil, que não atende única e especificamente esses casos, passou a ter mais essa atribuição após a decisão do STF.

Para Gabriel Mota, presidente da Associação Manifesta LGBT+, a polícia não está preparada e é ofensiva, agressiva e violenta com a classe.
“Falta treinamento por parte do Estado para preparar e indicar como deve ser o tratamento da classe que é, muitas vezes, maltratada no próprio atendimento policial. Recentemente, eu já presenciei no 1° Distrito Integrado de Polícia (DIP), duas mulheres transexuais venezuelanas tendo os nomes sociais ignorados e sendo constrangidas pelo profissional que nos atendeu. A violação do direito já estava no atendimento. Percebemos que a polícia demora na investigação de crimes gerais, quanto mais em crimes contra LGBT+”, disse.
Mota relatou que, durante os três anos que faz parte da associação, nunca viu nenhuma investigação criminal contra LGBT+ chegar até o fim. Segundo ele, antes da lei, pessoas da classe que desejavam prestar queixa em uma unidade policial, só conseguiam receber atenção com acompanhamento de uma Organização Não Governamental (ONG) de proteção, mediante a presença de advogados.
“Muitas vezes, o próprio Manifesta LGBT+ acompanhou vítimas, pois com certeza se não tivéssemos um advogado lá, os crimes seriam desmerecidos ”, enfatizou.
Vítimas
Quem já passou por esse tipo de situação alega que a polícia não dá importância para os casos e que é comum que esses crimes caíam no esquecimento. Uma dessas vítimas é o universitário Gabriel Farias de 23 anos, que há três anos passou por constrangimentos em razão da sua orientação sexual. O caso aconteceu na rua onde mora, situada no bairro Nova Cidade, Zona Norte de Manaus.
“Quando eu chegava em casa, após um dia de trabalho, os meus vizinhos se levantavam e imitavam comportamentos afeminados como forma de deboche. Isso tudo era para me constranger. Sempre que eu passava perto, eu tinha que ouvir eles ridicularizando a minha orientação sexual. Isso permaneceu por bastante tempo e foi quando eu decidi ir até o 15° Distrito Integrado de Polícia (DIP) para denunciar o caso. Por falta de legislação específica, meu caso foi tratado como injúria. Nunca tive respostas e eles nunca foram chamados para depor”, contou.
Gabriel contou ainda que após tomar essa iniciativa, ele ainda teve que ouvir provocações do escrivão que era responsável por anotar o depoimento.
“Mas você é gay? Ah, se eu sou heterossexual e me chamam disso na rua, eu não iria ficar ofendido”, disse o policial ao universitário.
Registros
Até o dia 26 de setembro deste ano, nenhum caso de homofobia tinha sido registrado na Deops, segundo a delegada Catarina Torres, titular da especializada. Já na Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher (DECCM), segundo a delegada Débora Mafra, titular da especializada, até agosto deste ano, dois casos de crimes de violência doméstica, enquadrados na Lei Maria da Penha, contra transexuais e travestis, foram registrados. Uma das vítimas possui medida protetiva.
Outra vítima de agressões por conta da identidade de gênero foi a travesti Camila Brasil, de 44 anos. O caso aconteceu há 5 anos, na rua Joaquim Sarmento, bairro Centro, Zona Sul de Manaus, enquanto ela trabalhava como garota de programa. Camila disse ao Em Tempo que foi agredida por vários homens com socos e chutes. Mesmo procurando a polícia, ela também nunca viu nenhuma punição aos agressores.
“A polícia só procura solucionar crimes que realmente interessem à ela ou quando cai na mídia. Ao contrário disso, nós ficamos esquecidos. Na época do crime, eu procurei meus direitos e fui até o 24° Distrito Integrado de Polícia (DIP) formalizar a ocorrência. Também procurei os órgãos de assistência social e jurídica, mas não deu em nada. Precisamos da lei específica que nos ampare nesses crimes. Temos delegacias em todas as zonas da cidade, mas nenhuma dá a devida importância aos casos que acontecem com o público LGBT+. Integro a Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado do Amazonas (Assotram) há dois anos e muitos da nossa classe permanecem esquecidos pela polícia”, relatou.
A presidente da Asssotram, Joyce Gomes, de 29 anos, enfatizou que, mesmo com a delegacia especializada para receber denúncias, a maior dificuldade da classe é lidar com os protocolos burocráticos. Apesar de já ter algumas normativas que reconhecem a LGBTfobia como crime, o estado ainda não dispõe de subsídios para que a pessoas que passam por esse tipo de violência venham concretizar a denúncia.
“Há uma grande falta de confiança na resolução de crimes contra população LGBT+. Já acompanhamos alguns casos que nem tiveram andamento”, destacou.
Sem respostas
Questionada pela reportagem sobre quais podem ser os procedimentos adotados após a formalização do Boletim de Ocorrência contra quem comete esse tipo de ato, até a publicação desta matéria, a assessoria de imprensa da Polícia Civil do Amazonas (PC-AM) não havia dado retorno ao Em Tempo.
Também foi realizado o questionamento sobre a conduta de policiais civis no atendimento à classe LGBT+. Sobre o caso do universitário Gabriel, a PC-AM disse que o caso prescreveu este ano e que a delegada Deborah Nascimento, titular do 15° DIP, se coloca a disposição dos envolvidos na ocorrência para esclarecimentos.
Já a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas (SSP), também não forneceu os dados estatísticos de registros desta natureza. Segundo o órgão, o levantamento de dados estatísticos exigia mais tempo que o tempo proposto pela reportagem.

Fonte: SUYANNE LIMA 29 de dezembro de 2019 – 09:24